Prestar atendimento a um recém-nascido no momento
do parto se restringe na maioria das vezes a observá-lo e dar a ele o crédito a
que tem direito durante sua adaptação à condição de vida extra-uterina.
Geralmente não é necessária nenhuma intervenção, médica ou de outra natureza.
O tipo de atendimento que se deve prestar ao bebê depende de alguns
fatores e primeiramente da condição básica de saúde da mãe (antes mesmo da
gravidez), do transcorrer da gestação e de suas intercorrências. Do ponto de
vista estritamente técnico, é útil lembrar que o acompanhamento pré-natal,
mesmo nas mais variadas culturas, constitui o pilar de sustentação do bom
andamento da gravidez e do sucesso do parto. É também durante o pré-natal que
os pais devem poder encontrar a ocasião de poder expressar as suas justas
angústias, esclarecer dúvidas, serem encorajados quanto à normalidade dos
acontecimentos e estabelecer elos de confiança com a equipe encarregada do
acompanhamento da gravidez e que poderia estar presente no momento do parto. O
espaço de sustentação emocional é tão indispensável quanto o componente
científico e tecnológico do pré-natal.
Naturalmente o bebê deve poder se adequar à sua nova situação de ser
vivo que utiliza o oxigênio contido no ar através da respiração, e não mais
pelo cordão umbilical, para continuar sua missão de sobrevivência. Afinal,
nascer é, além de uma condição natural, uma experiência obrigatória e apenas
uma etapa dentro do amplo e complexo processo da vida.
O conhecimento das capacidades e fragilidades do feto, ainda no ventre
da mãe, é indispensável para poder prestar atendimento adequado ao nascimento.
É importante lembrar que o feto é capaz de sugar, deglutir, soluçar (memória
gustativa), perceber sons provenientes tanto dos órgãos da mãe tais como os
batimentos cardíacos, a fala, os movimentos intestinais e respiratórios, como
aqueles externos (memória auditiva), identificar cheiros (memória
olfativa), urinar, ter pequenos movimentos respiratórios e amplos
movimentos dos membros além de produzir e liberar substâncias que participam do
seu amadurecimento e preparam o seu organismo para a autonomia futura.
O momento do parto representa sem dúvida o instante de maior apreensão e
expectativa. E é justamente neste momento que as pessoas presentes ao lado da
mãe devem transmitir a calma e a segurança necessárias.
Para os mais interessados é fácil perceber que o instante do parto
envolve não apenas questões de natureza física mas também emocionais. O bom
senso sugere que deve haver neste momento uma conjunção de fatores que culminam
com a saída do bebê. Prova de demonstração física evidente, mas também da
expressão de que há uma comunhão de interesses entre a mãe e o bebê. O parto
seria apenas o momento culminante desta interação. Os fatores envolvidos no
desencadeamento do processo ainda não são de todo esclarecidos, mas muito
certamente resultam desta comunhão e do conflito de interesses. Daí a
importância de se ter noção de delicadeza, tolerância, disponibilidade e
conhecimento técnico para quem se dispõe a prestar atendimento à gestante e à
sua família no momento do parto.
Se o bom senso não fosse suficiente, há evidências científicas que
confirmam que o feto tem condições de suportar, com margem de tolerância, o
trabalho de parto e o nascimento, não devendo, portanto ser considerado uma
vítima que justifique alguma comiseração. Ao contrário, deve ser visto como um
indivíduo capacitado e competente para enfrentar esta situação que como já
dissemos é natural e previsível.
As características físicas e bioquímicas do feto dão a ele condições de
enfrentar a passagem pelo canal de parto e a relativa fase de redução no aporte
de nutrientes e de oxigênio, que resultam no momento do trabalho de parto.
Contrariamente ao que se pode supor, o fato de nascer por cesárea não é um
fator de alívio para o feto. Durante o desencadear do trabalho de parto algumas
etapas são destinadas a liberar substâncias fabricadas tanto pelo organismo
materno e a placenta como pelo próprio feto que contribuem para dar a ele condições
de se adaptar tanto ao trabalho de parto como à sua vida extra-uterina. Assim,
sempre que possível, as cesáreas que tenham indicação médica, devem ser
realizadas após o início do trabalho de parto, respeitando pelo menos algumas
das etapas a fim de minimizar a transição do nascimento.
Após o nascimento, nada impede a priori que o bebê fique junto à sua
mãe, preferencialmente ao seu lado (na altura e junto do seu coração!) e que
a pessoa encarregada do atendimento ao bebê possa monitorar as
condições vitais do recém-nascido de maneira eficiente porém discreta. Nada
mais evidente que o pai possa participar da recepção do seu filho e do
estabelecimento das primeiras relações afetivas com o mundo exterior. Na
maioria das vezes não há necessidade de separar o bebê de sua mãe, nem de
proceder de maneira intempestiva à ligadura do cordão ou à retirada forçada da
placenta. Não há razões para não aguardar calmamente que o cordão pare de bater
para então secioná-lo.
Nos hospitais e clínicas, a equipe que dá atenção à mãe e ao
recém-nascido deve se comportar de forma discreta e tolerante, dando aos
principais atores (mãe-pai-filho-família) a oportunidade de participarem como
bem entenderem e não ditando regras formais de funcionamento, rotinas ou sob
pretexto da necessidade de respeitar a organização interna. As instituições
devem estar à disposição da mãe e de sua família e não o contrário.
Assim como o local que recebe a parturiente deve poder oferecer
condições de segurança para prestar atendimento em caso de necessidade à mãe, o
material necessário a uma eventual assistência ao recém-nascido também deve
estar disponível, em bom estado de funcionamento e verificado pelo pediatra
que, corretamente formado e familiarizado com as manobras de ressuscitação,
deve ajustar sua intervenção à necessidade da situação.
A intervenção do pediatra deve se restringir a fazer uso adequado da
tecnologia, apenas nas situações em que for necessário, baseado no conhecimento
e nas evidências científicas, sem tratar a questão de forma normativa impessoal
e estereotipada.
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Autor: médico pediatra Dr. Gabriel Ventura.
Fonte: Amigas do Parto
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