Violência Obstétrica: Muito além do "Na hora de fazer não gritou"



Violência obstétrica é toda violência institucional (exercida por um profissional de saúde) realizada durante o pré-natal, trabalho de parto, parto, pós-parto e em casos de abortamento, provocados ou não, dentro de uma instituição de saúde. A violência obstétrica é uma violência de gênero, pois o principal alvo são as mulheres, no período gravídico. Porém, as mulheres não são as únicas atingidas por essa opressão, o fruto da gestação, o bebê, também é atingido. A violência obstétrica está intimamente ligada à medicalização do parto, onde a mulher é induzida a acreditar que não tem capacidade de parir sem intervenção como se o corpo dela fosse imperfeito, defeituoso.


Mas, o que é exatamente chamado de violência?

Quando falamos em violência logo nos vem em mente a violência física, mas se tratando de violência obstétrica os tipos de violência podem ser bem mais sutis:

Restrição de movimentos: Durante o trabalho de parto as mulheres possuem necessidade de se movimentar, é um instinto natural que ajuda na evolução do trabalho de parto e na diminuição da dor. Perto do período expulsivo as mulheres também procuram posições verticalizadas, que favorecem o nascimento do bebê, as posições instintivas mais comuns são a posição de cócoras, a posição de joelhos e a posição de quatro. Essas posições são as mais fisiológicas, diminuem o tempo do período expulsivo, diminuem a dor e estão relacionadas com maior índice de Apgar do recém-nascido. Muitos profissionais da saúde restringem a livre movimentação da mulher durante o trabalho de parto e parto, obrigando-as a ficar em decúbito dorsal (deitada de barriga para cima) durante todo o processo, muitas vezes as mulheres têm suas pernas amarradas em estribos no momento expulsivo. Além disso, durante a operação cesariana, a maioria das mulheres tem seus braços amarrados, impossibilitando que toquem nos bebês após o nascimento. 

Privação de alimentos e líquidos: não há evidencias cientificas que apoiem o jejum durante o trabalho de parto e parto. A sede e a fome apenas aumentam o cansaço e a intolerância da mulher ao trabalho de parto.

Privação de métodos não farmacológicos para o alivio da dor: muitos métodos são comprovadamente eficazes para a diminuição da dor durante o trabalho de parto, como o uso da bola obstétrica (bola de pilates), massagens, livre movimentação, banho de chuveiro ou banheira, apoio emocional, tanto de profissionais como de acompanhantes. Infelizmente, mesmo esses sendo métodos de baixíssimo custo para as instituições, são pouco usados. A presença de acompanhante, em todos os estágios do parto, é garantida por lei, porém, em muitos lugares essa lei não é respeitada.

Procedimentos desnecessários, realizados sem explicação e sem consentimento: - Uso de ocitocina sintética, um dos procedimentos mais realizados de rotina, o objetivo é aumentar as contrações e consequentemente acelerar o processo de parto. No entanto, o uso indiscriminado desse hormônio torna as contrações mais dolorosas e está associada com aumento de sofrimento fetal.

- A episiotomia (corte vaginal) é realizado com o objetivo de “proteger” o períneo, condenado pela OMS, é realizado com frequência, principalmente em mulheres que estão tendo seu primeiro parto. No entanto, uma grande parcela de partos poderia terminar com períneo íntegro, e nos que terminam com laceração, essa seria menor do que o corte realizado na episiotomia. Esse procedimento é considerado uma mutilação genital, pode causar grande desconforto para a mulher posteriormente, incluindo dor em relações sexuais.

- Amniotomia (ruptura artificial da bolsa), também com o objetivo de apressar o trabalho de parto, muitas vezes é realizada sem explicação e sem consentimento da mulher, aumenta a intensidade das contrações e as chances de infecção.

- Tricotomia (raspagem dos pelos) causa constrangimento e desconforto para a mulher e não tem nenhuma justificativa para ser realizada.

- Enema (lavagem intestinal), extremamente desconfortável, é usada com o objetivo de impedir que a mulher defeque durante o parto, mas já está comprovado que o contato do bebê com as fezes maternas trás benefícios para o sistema imunológico. Além disso, quando é realizado o enema as fezes se tornam líquidas, dificultando a higienização, as fezes de textura normais são facilmente removidas, caso a mulher defeque no momento do parto.

- Toques vaginais, realizados para acompanhar o pregresso do parto, muitas vezes são realizados de forma dolorosa, com uma frequência maior do que necessária e por pessoas diferentes, sobre tudo em hospitais universitários, onde, além do professor, vários alunos conferem a dilatação.

Manobra de Kristeller: Essa é uma manobra condenada pela OMS desde 1996, porém é usada com frequência nas maternidades brasileiras. Trata-se de forçar o fundo uterino no momento expulsivo, com o objetivo de acelerar a saída do bebê. Aumenta o risco de ruptura uterina, compressão do polo cefálico (cabeça do bebê) e laceração de períneo. É proibida em vários países.

Manobra de Valsava: É a famosa “força, força, força”, um profissional comanda as forças voluntárias exercidas pela mulher, mesmo que ela não sinta vontade de fazê-la. Orienta que a força seja feita trancando o nariz e a boca o máximo de tempo possível. Essa manobra causa exaustão materna e prejudica a oxigenação do bebê. A força deve ser feita quando a mulher sente o “puxo”, uma vontade involuntária de fazer força.

Agressão verbal: Gritos e humilhações são as formas mais comuns. Comentários sobre o número de filhos, evacuação, higiene, anatomia da genitália, pelos pubianos, obesidade, nome do bebê, idade materna, religiosidade, situação socioeconômica, além de recriminação aos choros e gritos. Dentro desta categoria também estão as ameaças: “Se não parar de gritar vai ter teu filho ai sozinha”, a culpabilização: “Se não fizer força vai matar teu filho” e a ridicularizarão: “Para que esse fiasco, ano que vem está aqui de novo”. Acredito que essa seja a violência mais relacionada com a situação de fragilidade da mulher, sendo as mulheres em situação de pobreza, as negras e indígenas as mais atingidas por esse tipo de violência.

Separação de mãe e bebê saudável após o parto: Mães e bebês saudáveis devem ser mantidos juntos e em contato pele-a-pele, isso estimula o vínculo e o aleitamento materno. Porém, há uma pressa por parte da equipe em realizar procedimentos de rotina (muitas vezes desnecessários) nos recém-nascidos. O resultado disso é que os bebês passam os primeiros minutos de vida em um berço, longe da mãe e sofrendo diversos procedimentos dolorosos. Muitas vezes a mãe só vê e amamenta o bebê horas depois do parto.

Negligência: Não raro vemos noticias de mulheres que tiveram seus filhos em salas de espera. As queixas das mulheres nem sempre são levadas em consideração e há demora no atendimento quando chegam nos serviços de saúde, isso vale também para as queixas de dores e outros sintomas durante a internação. Não existe empatia, e muitas mulheres são ignoradas em suas necessidades, sobre tudo as mulheres pobres, com vários filhos ou usuárias de drogas.

Infantilização e despersonalização: Chamar de mãezinha pessoas com nome e sobrenome ou chamar as mulheres pelo nome de uma patologia, “a HIV esta em trabalho de parto” ou por número de leito. Impedir que as mulheres usem coisas pessoais, colocando-nas camisolas, muitas vezes rasgadas e manchadas, que não tapam nem as nádegas, expondo seus corpos.

Cesariana desnecessária: Essa violência consiste na realização de uma cirurgia de grande porte para a extração do feto. Muitas vezes ela é realizada sem indicação, ou com falsas indicações, por comodidade médica. Não é esclarecido para as mulheres os riscos que estão expostas, tanto para elas quanto para o bebê. Além dos riscos associados a qualquer cirurgia, como infecção, hemorragias, complicações com anestesia e erro médico, há os riscos referentes ao recém-nascido, como cortes acidentais, prematuridade iatrogênica (quando o bebê é tirado do útero antes de estar pronto, sendo que só é possível ter certeza disso quando a mulher entra em trabalho de parto), desconforto respiratório, entre outros. A operação cesariana não é parto, e está relacionada com aumento da mortalidade materna e fetal.
Texto Pela Enfermeira Obstetra Luana Santos da Silva
Fonte: Partejar Consciente

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