O AMOR À PRIMEIRA VISTA, ou imprinting

O AMOR À PRIMEIRA VISTA, ou imprinting, é um fenômeno instintivo e natural que ocorre nos animais, logo após o nascimento. Os filhotes reconhecem suas mães e criam vínculos graças ao poder dos hormônios e outras substâncias naturais produzidas e liberadas pelo organismo materno durante o trabalho de parto.
Para isto, é necessário permitir-se parir! Sem interferências, sem substâncias sintéticas, num ambiente acolhedor e relaxante. Só assim a fisiologia do parto acontecerá naturalmente. Só assim o cérebro da mãe produzirá e liberará os hormônios do parto que ativam o instinto materno e aliviam as dores.


Segue texto baseado no artigo Ecstatic Birth - Nature’s Hormonal Blueprint for Labor de Sarah Buckley:

O PERFEITO E DELICADO SISTEMA HORMONAL DO PARTO
Como o corpo produz tudo o que é necessário para que o parto seja um evento seguro, e qual a conseqüência das interferências nesse processo?
É bem sabido que a vida na terra é composta de uma rede que interconecta todos os seres, onde um depende do outro para que o todo subsista. A própria natureza cria sistemas de auto-regulação que favorecem a vida. É como se fosse do próprio “interesse” do todo manter a reprodução dos seres vivos.
Assim, é inato a cada fêmea do reino animal - como a cada mulher - um sistema reprodutivo perfeitamente organizado para a manutenção da espécie e para que gerar, gestar, e parir sejam experiências seguras para a mulher. Num parto sem perturbações, o próprio organismo humano se ocupa de produzir analgésicos (beta-endorfinas) que aliviam as dores do parto, ou de atingir um pico de ocitocina que previne hemorragia pós-parto, por exemplo.
Mesmo sem receber informações sobre o que deve ser feito, sem ser “educado” para o parto, o corpo feminino será capaz de realizá-lo, da mesma maneira como realiza qualquer outra função fisiológica sem que haja necessidade de um comando racional para acionar esse mecanismo.

O PARTO É UM EVENTO FISIOLÓGICO
Em seus seminários, o obstetra francês Michel Odent lança sempre a pergunta: “qual é a parte mais ativa em uma mulher em trabalho de parto?” - o cérebro. É ele que comanda todas as contrações uterinas, a intensidade com que acontecem, o ritmo do trabalho; é o cérebro que acionará e liberará no organismo da mulher hormônios que vão além do nascimento em si, agindo na transformação da mulher (e todas as outras fêmeas) em uma mãe. Alguns hormônios atuam não apenas no nível físico, mas também no nível comportamental e emocional, como a prolactina, que ativa o instinto materno, ou as beta-endorfinas que criarão o laço de dependência e cuidado entre mãe e filho.
Há milhares de anos esse mecanismo fisiológico tem permitido que a espécie humana se perpetue. As intervenções médicas nesse processo, contudo, têm acarretado partos difíceis, traumáticos, e com sequelas comportamentais e emocionais, que se mostram seja nas mulheres com depressão pós-parto ou sentindo-se incapazes de cuidarem de seus filhos, seja na instituição de uma sociedade mais violenta, devido aos seus “novos integrantes” não terem recebido doses de hormônios previstos pelo cérebro.
Hormônios sintéticos (utilizados para induzir e/ou acelerar o trabalho), analgésicos, epidurais, ou mesmo condições externas como luz forte, por exemplo, podem interferir nessa rede hormonal e interromper o encadeamento fisiológico e a seqüência do trabalho. Hormônios sintéticos causam efeitos físicos em determinada parte do corpo, mas não atuam no comportamento como os hormônios produzidos pelo próprio cérebro, além de possuírem uma ação isolada, não sendo regulados de acordo com o que está acontecendo no resto do corpo da mãe e do bebê.

HORMÔNIOS NATURAIS X HORMÔNIOS SINTÉTICOS
Quando é ministrada ocitocina sintética a uma mulher durante o trabalho de parto, o número de receptores de ocitocina no útero é reduzido pelo corpo para prevenir uma estimulação em excesso. Isso significa que a mulher tem maiores riscos de hemorragia pós-parto, pois sua própria liberação de ocitocina, crítica nesse momento para contrair o útero e prevenir a hemorragia, será inútil devido ao baixo número de receptores.
A ocitocina materna atravessa a placenta e entra no cérebro do bebê durante o trabalho, agindo para proteger as células cerebrais fetais “desligando-as”, e diminuindo o consumo de oxigênio em um momento em que os níveis de oxigênio disponíveis para o feto são naturalmente baixos. A ocitocina sintética, porém, não tem a capacidade de atravessar a parede placentária, e não atingirá o organismo do bebê.
Outro efeito da ocitocina sintética é que as contrações produzidas por ela podem acontecer muito próximas umas das outras, impedindo que o bebê se recupere da pressão sofrida pelo útero. Em condições normais, o cérebro da mãe libera a ocitocina por meio de pulsações, e como os dois organismos – mãe e bebê - estão em comunicação durante o trabalho de parto por meio do fluxo sanguíneo comum, o cérebro conseguirá “ler” o nível de catecolaminas liberada na corrente sanguínea pelo bebê, regulando a intensidade e o ritmo das contrações de acordo com o nível de estresse vivido pelo bebê e pela mãe.
Os níveis de todos os hormônios presentes no momento do parto são regulados de acordo com o andamento do trabalho e do estado físico em que se encontra a mãe e o bebê. A alteração de um só elemento desestrutura toda essa delicada rede, cujas conseqüências se estendem para o pós-parto, o aleitamento e a relação emocional entre mãe e filho. Nos momentos finais da preparação do bebê para o nascimento, os hormônios atuam para amadurecer os pulmões e regular o sistema termogênico (regulação térmica) do recém-nascido.

OS DANOS CAUSADOS POR INTERFERÊNCIAS NO SISTEMA HORMONAL DO PARTO
Durante o período pré-natal, o cérebro do bebê está mais vulnerável a danos irreversíveis e estudos indicam que substâncias ministradas por volta da hora do parto, mesmo em pequenas doses, podem causar efeitos colaterais na estrutura do cérebro e na química do recém-nascido que talvez não sejam claros até a idade adulta.
Os medicamentos ministrados à mãe entram imediatamente na corrente sanguínea e vão igualmente ao bebê, e alguns desses medicamentos serão absorvidos preferencialmente pelo seu cérebro. A meia-vida das substâncias ministradas (ou seja, o tempo que se leva para reduzir em 50% o nível do medicamento da corrente sanguínea) é muito maior no organismo do bebê após o corte do cordão umbilical. A buvicaína, por exemplo (medicamento derivado da cocaína, usado como anestésico local), tem uma meia-vida de 2,7 horas no organismo adulto, mas cerca 8 horas em um bebê recém-nascido.
Os medicamentos utilizados em procedimentos de rotina nos partos continuam agindo no corpo da mãe e do bebê por horas após o parto, fazendo com que a mãe esteja sedada no momento de seu primeiro encontro com seu filho, e que o bebê nasça sob efeito dessas drogas, o que causa um imprinting químico no seu cérebro. As consequências desse fenômeno poderão ser percebidas na vida adulta como tendência física em reviver tal sensação experienciada no parto, causada por essas substâncias anestésicas. O "imprinting" previsto pela natureza para o cérebro do bebê neste momento seria aquele realizado pela ocitocina produzida pelo cérebro da mãe e do bebê durante um trabalho de parto sem interferências.
Para que o trabalho e o parto aconteçam de forma ideal, algumas medidas simples podem ser tomadas, que permitem que o sistema límbico (parte primitiva do cérebro, comum a todos os mamíferos) faça o trabalho de produção dos hormônios necessários ao parto e ao imprinting no cérebro da mãe e do bebê. O neo-córtex humano - a parte mais racional e moderna do cérebro, que quando em ação impede o perfeito funcionamento dos comandos do sistema límbico, que comanda as funções fisiológicas previstas para o parto - é estimulado por luzes fortes, pela construção de um raciocínio por meio da linguagem, pelo frio (libera adrenalina), e pela sensação de estar em risco. Evitar todos esses fatores é a condição básica para que o parto seja facilitado, e que o corpo coloque em ação o modelo fisiológico previsto para um parto seguro e prazeroso.

Por Letícia Koehler
Foto Rosevania Silva

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