Inspirações indianas para o puerpério



Mas pensando em maternagem, o que mais mais me marcou foi o respeito com a grávida e com a puérpera. Não esse respeito básico que temos por aqui: assento preferencial, não espera na fila… não, é  muito mais que isso. É quase uma reverência.
E olha que a Índia é um país extremamente machista, culturalmente machista. As indianas, ainda nos dias de hoje, andam atrás dos maridos, em muitas famílias elas só sentam para comer depois que eles terminaram. Não têm os mesmos direitos que os homens, são assediadas nos ônibus, e frequentemente violentadas. (Cabe um parêntesis aqui: a indiana, no geral, é super discreta: usa roupas longas, que cobrem todo o corpo, tem olhar tímido, fala baixo, ri baixo. Pra gente ver que a violência sexual contra a mulher  não depende de como ela se veste ou se porta, mas sim de quão machista é a sociedade em ela que vive!)
Mas a  mulher grávida e a puérpera estão a salvo. E o trato com elas é diferenciado. Arrisco dizer que até elas próprias têm mais respeito por si mesmas e pelos sinais do seu corpo do que nós ocidentais.
Na família tradicional indiana, em grande parte das vezes o casamento é arranjado. Hoje em dia menos, algumas mulheres mais independentes como a minha professora de Ayurveda a Dra. Sapna, casam pela sua própria escolha. A gente vive vendo em filmes dramas em cima disso, mas lá nem é tão assim! Conversando com várias indianas jovenzinhas, elas até acham bom. Elas acham que seus pais podem sim fazer escolhas boas para elas. E que o casamento começa morno, com o casal se conhecendo, surge a amizade, o respeito, o amor nasce, a paixão também e coisa ferve. Elas acham que aqui no ocidente casamos na fervura e logo a água esfria….. kkkkk…. é um ponto de vista, né? Enfim, há de se respeitar pontos de vista. Quando se viaja para conhecer e aprender com outras culturas, não cabem julgamentos.
Enfim, depois que casam, as esposas vão morar na casa da sogra, junto com a família do marido. Isso não deve ser fácil, dependendo da família, aí sim o drama pode ficar maior. Mas quando está gravida tudo cessa: as brigas, os desentendimentos, o trabalho pesado. A gravida é poupada de tudo. É poupada dos problemas triviais, dos filmes de terror, dos noticiários, do alimentos que não sejam frescos, ou seja… tudo, tudo, tudo que possa interferir de uma forma ruim na gestação. Nem sair de casa, elas não saem à toa. Precisa ter um motivo bem grande pra sair grávida nas ruas da Índia e pegar um ônibus ou rickshaw. É muito fusuê, muita gente, muita buzina, muita fumaça de diesel e tudo isso perturba a grávida e o bebê, seriamente.
Quanto ao parto, a maioria das indianas tem seus partos em hospitais, como aqui. Nem de longe com os índices de cesarianas como os nossos. Nos vilarejos mais distantes e de difícil acesso devem acontecer muitos partos em casa… isso não tive com checar ou  vivenciar, uma pena…
Mas quando o bebê chega… tudo muda para aquela mulher. Primeiro que ela volta para a casa da sua mãe, para receber os cuidados dela, de suas irmãs, primas e cunhadas. Faz-se uma verdadeira egrégora. (este termo é perfeito para descrever esse fato: Egrégora, ou egrégoro para outros, [do grego egrêgorein, Velar, vigiar] É o somatório de energias físicas, emocionais e mentais de duas ou mais pessoas, quando se reúnem com qualquer finalidade. – não é lindo?) Forma-se uma conjunção de energia feminina, com a força da natureza feminina e da Grande Mãe, apenas para atender aquela mulher.

Não, ninguém vai lá na casa dela só para conhecer o bebê e deixar a mãe recém-nascida aflita em ser uma boa e simpática anfitriã. Ela não recebevisita. Recebe ajuda. Quem vai lá vê-la, seja parente ou amigo(a), leva uma refeição, faz uma massagem em seus pés, cuida do bebê por um tempinho para que ela possa dormir.
Ela e o bebê são instalados no melhor cômodo da casa, a mãe é alimentada com refeições ricas em leite, em ervas que promovem a involução do útero, a descida e a  qualidade do leite materno. É massageada diariamente com óleos com o mesmo propósito, é banhada, tem todas as suas necessidades atendidas. É poupada das atividades domésticas: não precisa lavar a louça, varrer o chão, sair de casa para resolver coisas.  Tudo isso para que, nestes primeiros 40 dias de puerpério, ela possa recuperar as energias que se esvaíram com o esforço do parto, que ela possa amamentar, criar vinculo com o seu bebê e se preparar para retomar a sua vida cotidiana depois. Para estar energeticamente recuperada também, ao retornar para a vida a dois.
Isso tudo pode soar um tanto louco para nós, mulheres ocidentais workaholics, dominadoras, independentes… mas, peralá! Será que, durante o puerpério não temos o direito de desacelerar um pouco? Ou pior, será que não conseguimos desacelerar? Ou não conseguimos pedir ajuda? Porque não ficar meio indiana nesta fase e buscar ser poupada e poupar-se?
Porque o mundo ocidental exige demais: que as finanças não mudem, que o nosso corpo retorne rapidamente ao que era antes, que retomemos rapidamente a vida social, que voltemos às compras, ao mercado, ao banco, que continuemos dando conta da casa. Mas será que durante a gestação e puerpério é a melhor época pra isso tudo? As exigências do mundo ocidental não incluem o bebê, muito menos priorizam o cuidado com a puérpera. Como se nada tivesse mudado com o parto, como se o bebê fosse apenas uma novidade, tipo, dessas comuns. Como se a mulher fosse ser a mesma depois de ser mãe, como se a vida não mudasse e nós não precisássemos de um tempo para nos adaptarmos a uma nova realidade.
Pensa: quais as chances de uma mulher amamentar livre demanda se não tem sossego nem descanso? Se se alimenta com pressa, se tem um computador entre ela e seu bebê, se tem outras preocupações senão ser mãe, se tem tantos outros focos que não o bebê.
Merecemos nos dar o direito de parar e CURTIR o puerpério. De ter uma fase de readaptação, de recuperação de energias. De fazer com que este seja um período bom, de  união de forças femininas. De curtir no sentido mais amplo da palavra, acolhendo todos os sentimentos e emoções que surgirem. Bons ou ruins. De ser apoiada, amparada, ajudada.
Que nós consigamos nos permitir!

INDA2010-00139


Fonte :Vila Mamífera

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