Vamos falar de Placenta?

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O QUE É A PLACENTA?
Fonte da Imagem: EverythingBirth

Não se envergonhe querida leitora se você não sabe muito do que se trata esse pedaço de carne. Pesquisas empíricas do Mamatraca mostram que há uma grande confusão entre placenta e a bolsa amniótica. Há quem acredite que o bebê fica dentro da placenta, mas não é bem assim. Aliás não é nada assim!

A placenta é um anexo embrionário que existe apenas na classe de mamíferos Eutheria, ou seja, fora o ornitorrinco e o canguru (e os primos deles), todos nós mamíferos fomos algum dia dependentes de uma. Ela se forma dentro do útero pelos tecidos do óvulo e através dela o feto respira e se enche de nutrientes através da difusão do sangue materno pelo cordão umbilical. É o único órgão do corpo mamífero que nasce, cresce e tem seu fim, acompanhando a gestação do bebê que alimenta.

A placenta protege também o bebê, como um filtro, e atua como um órgão endócrino, produzindo hormônios fundamentais para a sustentação da gravidez. Sua posição, em geral superior, ou seja, alojada na parte de cima do útero, pode ser motivo de problemas, em raros casos. As famosas placentas prévias são a única indicação absoluta de cirurgia cesariana para mulheres fora de trabalho de parto, uma vez que esse importante órgão, nessa condição, alojado na saída do útero, impede a passagem do bebê. Existem outros casos relacionados à placenta que podem também prejudicar a gravidez, como descolamentos, inserção anormal do cordão umbilical e outras complicações. Tudo isso para contar que sim! A placenta é um órgão importante pacas.
Fonte da Imagem: Proyecto-Bebe


Assim que nasce o bebê, a placenta ainda ligada ao corpo da mãe, garante o aporte de oxigênio necessário para o rebento - que respira com seus próprios pulmões pela primeira vez - e ainda faz o favor de devolver à ele todo sangue a que tem direito. Por isso a prática recomendada , e hoje já comprovada - de clampear o cordão umbilical somente quando ele para de pulsar protege o bebê de anemia.

Descolada das paredes do útero, depois do bebê, nasce também a placenta. Em uma cirurgia, ela é removida pelo médico, que deve garantir que nenhum pedaço fique retido, sob risco de infecção. Em um parto vaginal, em especial natural, a placenta nasce pelas contrações do útero, normalmente pouco depois do bebê, e com direito a dorzinha e tudo.

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POR QUE TEM GENTE QUE COME PLACENTA?

Fonte da imagem: Heal Thy Self

A placentofagia ocorre no mudo mamífero, simples assim. A maioria dos mamíferos (em ambiente natural, não vale dizer que sua cachorrinha não comeu) consome a placenta após o parto, com exceção dos camelos e alguns tipos de mamíferos marinhos, inclusive os vegetarianos. O que de cara dissocia a placentofagia da alimentação per se - não é uma prática exclusivamente alimentar. As macacas, nossas primas distantes, também comem placenta. Estando a raça humana mais próxima dos macacos do que dos camelos, não é tão espantoso assim que existam também pessoas que curiosamente ou com muita certeza na tradição, queiram provar a iguaria!

Há quem defenda a ideia de que isso é um ato instintivo para esconder rastros da cria dentro da natureza selvagem e proteger o filhote de predadores. Enquanto outras correntes defendem que a placenta, rica em hormônios e lipídios, seria responsável por nutrir a mãe, devolvendo-lhe energia após a saga transcendental do parto, ajudando na contração uterina, produção de leite e promovendo bem estar. A esmagadora maioria da classe médica, e portanto as pesquisas científicas sobre o tema, insiste que não existem evidências comprovadas sobre esses efeitos. No entanto, nas culturas ancestrais em todas as partes do mundo, dos confins do Vietnam às montanhas da Bolívia, a placentofagia e demais rituais ligados à placenta, tem justificativa além da científica, de ordem espiritual e holística, simbolizando a vida, o respeito ao fim da gestação, e a celebração pela saúde do feto que ela alimentou.

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COMER PLACENTA É MODA?

 
Fonte da Imagem: Bootiful Bumps
É tão moda como usar carregadores de pano, ou amamentar em livre demanda. Está certo, que na penumbra do século XX poucos de nós ouvimos falar sobre isso. Afinal, na cultura ocidental a placenta é encarada como nada mais do que resto de parto. Portanto, parece que inventaram só agora essa história de comer placenta. Colocando perspectiva nas coisas, em que moda é uma inovação passageira, e atentando ao fato de que as civilizações ancestrais sempre promoveram os rituais ligados à placenta, moda é, na verdade, jogar a placenta no lixo. Comer placenta é mais velho que andar para frente.

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O QUE DIZEM OS "ESPECIALISTAS"?
Fonte da Imagem: Bem Estar

Vai depender muito do tipo de especialista que a gente quiser ouvir. Em sua maioria, a classe médica envolvida com o modelo de atendimento obstétrico vigente, vai dizer que essa história de comer placenta é uma grande bobagem e que não existem pesquisas que comprovem. Que um bifão de picanha supriria o aporte de ferro. E que os estudos não comprovam nada. Mas quem está envolvido na especificidade do tema, por exemplo, uma empresa certificada de Portland, que oferece o serviço de encapsulagem da placenta processada para consumo no puerpério, dá uma resposta diferente: "Os humanos pararam de consumir carne crua há muitos milênios. Desde então, os chineses desenvolveram formas de cozinhar a placenta para facilitar a digestão. Nós fomos adiante, hoje é possível colocá-las em cápsulas, e a mãe as consome como vitaminas. Minhas clientes reportam menos baby-blues, recuperação mais rápida, aumento expressivo na produção de leite e muitos outros benefícios. Especialmente aquelas que podem comparar: mulheres com mais de um filho que não consumiram essas vitaminas em um puerpério anterior".

Como em todos os casos, há especialistas que dizem de tudo.

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O QUE DIZEM AS MULHERES QUE JÁ COMERAM PLACENTA?

Segurem-se nas suas cadeiras: todas as mulheres que eu entrevistei gostaram, e muito, da experiência. Vou contar aqui minha mecânica refinadíssima: perguntei no meu facebook pessoal se alguém topava dar um depoimento, e garanti que preservaria a identidade (para fins de proteger as pessoas dos ataques de preconceito que cercam esse tema). Eis que mais de 40 mensagens pipocaram na minha caixa. Eu comi! Eu bati no açaí! Minha irmã comeu! Eu comi a da minha irmã! E mais: ninguém se importa que seus nomes sejam revelados!

Fui desenrolando o assunto com algumas delas, que me narraram experiências mais do que interessantes: "Comi porque havia pesquisado que os hormônios, sobretudo a ocitocina, presentes na placenta ajudavam o útero a reestabelecer-se ou voltarem ao tamanho normal. Quando eu acabei de parir a enfermeira-parteira tirou um pedacinho e colocou na minha boca. Para comparar: o mais próximo alimento que eu conheço é o shimeji cru, algo meio terroso, ocre." Conta Nayana Caetano, que também comeu um pedacinho da placenta no pós parto do segundo filho, sob olhares tortos da obstetra que a atendia. "No terceiro filho, esqueci de pedir para o médico. Me arrependo até hoje."

Já Mariana Andrade, fez a linha espírito-livre: "Comi de curiosa. Fiz um curso sobre as propriedades da placenta quando estava com 37 semanas, e no parto surgiu a oportunidade de experimentar. Comi fritinha, picadinha e temperadinha. O gosto é diferente de tudo, lembra um pouco a carne de fígado, só que mais fibroso". Mariana explica ainda que a placenta era temperada com alho, e não se inibe ao recordar: "agora me deu água na boca".

As motivações para a placentofagia circulam as supostas (de acordo com a medicina tradicional) e comprovadas (de acordo com a experiência dessas mulheres) propriedades biológicas desse incrível anexo embrionário. Mas muitas mulheres narram também motivações de ordem ritualística: "Considero a placenta um orgão sagrado que protegeu, nutriu e deu vida ao meu filho durante 9 meses. Faz parte do ritual de finalização do parto, todos que estiveram presentes ingerirem um pedacinho de placenta como forma de gratidão e reverência. Até meu pai comeu um pedaço." Conta Roberta Lotti que após o parto de seu filho, teve uma breve hemorragia. De acordo com Roberta, a ingestão de mais alguns pedacinhos da placenta foi o suficiente para o estanque quase imediato. "Ela tem propriedades medicinais e é um poderoso anti-hemorrágico". 
Fonte da Imagem: Insert Eye Roll


Não é só na base do alho frito, ou crua como um sashimi, que as placentas andam circulando no universo do pós parto contemporâneo. Uyara Queiroz conta que comeu um pedacinho, cru e com shoyu imediatamente após o parto.  No dia seguinte, liquidificou um suco de frutas. "Nem senti o gosto, mas me senti muito bem, muito diferente do primeiro parto".

Essa é uma das partes mais curiosas. A maioria das entrevistadas pode comparar um pós parto à outro, com e sem ingestão da placenta. E foram unânimes ao afirmar: "me senti melhor".

"Tenho três filhos. Tive um baby-blues violento na chegada do primeiro, quando não ingeri a placenta. No segundo, nauseei quando engoli alguns pedacinhos crus. Já no terceiro, bati com açaí e morango, nem senti o gosto. Esses dois pós partos foram excelentes, e eu atribuo não só à ingestão da placenta, mas também ao fato de terem sido partos domiciliares", conta a Carolina Martins, trazendo luz à questão do modelo de atendimento ao parto e sua relação com o que sentimos no pós parto.

Pós parto: um tempo-lugar sabidamente delicado para as mulheres. Além de toda a readaptação do corpo às novas funções biológicas, existem muitas questões de outras ordens acontecendo ao mesmo tempo. A saudade da gravidez, a interação com o novo bebê, privação de sono, lactância ou às vezes dificuldades na amamentação, tudo orquestrado para levar uma mulher à beira da loucura. Mas as placentófagas afirmam que tudo isso pode estar relacionado ao ato abandonado de ingerir a própria placenta após o parto: "Se o hábito de comer placenta fosse preservado na espécie humana como é para todos os mamíferos, o puerpério seria diferente para as mulheres", explica Uyara, "mas faltam pesquisas sérias sobre o tema", lamenta.

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NÃO CURTO SASHIMI, DETESTO FRITURA, MAS QUERO TUDO DE BOM QUE A PLACENTA OFERECE? O QUE FAZER?
 
Fonte da Imagem: Natural Beginnings

Hoje, tão comum quanto engolir o picadinho de carne é transformá-lo em cápsulas, de diversas formas, administradas durante o puerpério como complexo vitamínico. Alguns profissionais fazem isso cozinhando a placenta com ervas ou usando outras práticas para reduzí-la à pó.

"Eu tomei cápsula de placenta nos 2 meses que se seguiram após o nascimento da Constança," narra Luiza Diener, "se é comprovado ou não, eu não sei". Guardando diferenças entre os dois bebês e o contexto em que chegaram, Luiza conta que no primeiro filho tinha um apartamento menor e somente uma cria para olhar, "mas eu vivia caindo pelos cantos". Com a ingestão das cápsulas na chegada da segunda filha, que era um bebê ainda mais ativo e demandava mais cuidados do que o primeiro, sentia-se "uma bala!", mesmo morando em um apartamento maior, e executando todas as tarefas que as mães de dois filhos pequenos conseguem imaginar, "fazia almoço, bolo pro lanche, tudo com a bebê no sling e o mais velho me ajudando. Lavava a louça, arrumava a casa, levava menino no parquinho e vivia com a pequena pendurada no sling. Não consigo atribuir essa energia a outra coisa que não à placenta".

Nesse momento, essa exausta mãe que vos fala começa a cogitar tomar cápsula de placenta de alguma amiga. Alguém? Na onda da brincadeira, a Mariana adiciona "estou pensando em atender partos como doula voluntária, em troca da placenta para eu comer". Se isso rolar, Mariana, me liga!

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MAS...E O QUE O TOM CRUISE TEM À VER COM ISSO?

Fonte da Imagem: Bijoux Bliss
Aqui está um pouco do porque a placentofagia é confundida com moda. Bastou que uma celebridade - como a bela Gisele - colocasse um colar de âmbar no pescoço da filha, que veja só: ele virou moda. ÂMBAR: uma coisa que tem no mundo desde a época dos dinossauros, vocês viram no Jurassic Park, nem preciso de especialista para fazer meu ponto.

E assim foi com o ex-galã Cruise, sob as tradições da cientologia, (coisa sobre a qual eu não me arrisco nem de longe a escrever, muito embora me cause - como tudo - curiosidade) saiu contando aos quatro ventos que comeria a placenta da mulher, na ocasião do nascimento do ícone-fashion-infantil, a pequena Suri. E depois foi a vez da Kim Kardashian, no alto do seus nove meses de gravidez e salto agulha de acrílico, falar também de suas ambições sobre a iguaria mamífera. Alanis Morissete amamentando criança andando, aprincesa Kate parindo naturalmente, a eterna Blossom Mayim Bialik escrevendo sobre criação por apego - quando uma celebridade levanta a bola de qualquer coisa - mesmo que seja uma tradição da idade da pedra - é comum que logo seja tratado como "moda". Acho bom, coloca os assuntos na pauta.

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O QUE OS HOSPITAIS FAZEM COM A PLACENTA DEPOIS DOS PARTOS?

Lixo. Junto com as gazes, restos e outros ítens tão desprezíveis que devam ser incinerados e tratados como despejo. Não é de se surpreender que as pessoas - que começam a enxergar a placenta sob a ótica da geração da vida, que vêem nela a magia da criação tenham começado a se movimentar em torno de rituais mais respeitosos do que um saco preto.

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POR QUE TANTA GENTE SENTE NOJO REPULSIVO DA PRÓPRIA PLACENTA E DA PLACENTA ALHEIA?

Fonte da Imagem: Ilumikniti Design
Aqui vai uma opinião pessoal, e se a sua é diferente, há sempre a caixa de comentários: porque estamos desconectados de nossas essências femininas. Não é só a placenta que é encarada como coisa nojenta. Muito daquilo que se refere às zonas de fertilidade e prazer feminino são tidas como nojentas. Recentemente, uma sorveteria inglesa lançou o sabor: leite materno. É quase imediato! Eca!! Que nojo!! Vou tomar leite de gente? Minha amiga, a gente toma sorvete de leite de vaca, um ruminante bem fedido que pisa no próprio cocô (e também come placenta).

Menstruação! Quando artistas-ativistas do movimento feminista começaram a fazer trabalhos com seu sangue menstrual, a reação de eca-nojo foi também inevitável. Enquanto em muitas e muitas culturas, o culto ao sangue menstrual permanece, como forma de reconexão da mulher com seu próprio corpo e ciclos vitais, coisa essa impulsionada pela "moda" dos coletores menstruais. Parece que tudo que vem da mulher, em sua plena potência de procriadora, criadora e dona de seu próprio corpo tem lugar certo: rápido, para o lixo! Menstruação é sujo, leite humano é sujo, parto é sujo e deusmelivre placenta.

Claro que ninguém é obrigado a comer nada, nem honrar nada e todo mundo tem o pleno direito de jogar uma parte sua no lixo, mesmo que ela tenha sido parte fundamental do desenvolvimento pleno daquela nova vidinha, o filho. Mas nojo, não faz sentido. É pura repetição de comportamento da lógica opressora ao corpo da mulher e sua esfera reprodutiva.

"Eu acho que a ideia de comer um orgao humano é meio sinistra pra maioria das pessoas. Parece um ritual antrpofagico, uma coisa de magia negra, sei lá. Mas fundo é preconceito né, Anne? Falta de informacao, conhecimento e respeito pelas escolhas alheias", me disse Roberta, e eu concordo.

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EU NÃO QUERO COMER MINHA PLACENTA, NEM VOU TOMAR CÁPSULAS COISA NENHUMA, MAS GOSTARIA DE REVERENCIÁ-LA, TEM COMO?
Fonte da Imagem: Rogue Mama

Aí que o pessoal com menos apetite criou diversas formas de no mínimo, prestar singelas homenagens para aspecto simbólico da placenta, da conclusão do parto, do nascimento de uma nova vida. Para entender isso, é preciso colocar significado nas coisas. Enquanto algumas mulheres vêem significado nas lembrancinhas de maternidade, por exemplo, outras simplesmente adotam outras práticas. Ou adotam várias práticas. O importante é não vislumbrar - assim como uma lembrancinha de maternidade pode não somente a expressão do consumismo e materialismo que cercam os nascimentos, e sim uma forma simpática e simbólica de recordação sobre aquele nascimento tão especial - que não se trata de hornrar cegamente um órgão, porque é moda e porque a fulana é uma riponga doida. E sim uma prática com significados, ora místicos, ora espirituais, ora dos segredos do feminino, e ora de ordem bem prática mesmo: a placenta está lá, existe, vive, pulsa e com os olhos do siginificado, é um órgão belo e cheio de importância. Para muita gente.

Há quem faça essa reverência da forma mais simples, tocando-a, sentindo com as mãos e agradecendo silenciosamente, como uma prece. Há que fotografe e a observe por longos minutos. Há quem guarde no congelador - não desmaiem, por favor, a picanha congelada no nosso freezer nada mais é do que parte da bunda do boi - até que se decida o que fazer com ela.

Muitas culturas ancestrais enterram a placenta, ato repetido ainda na contemporaneidade, enrolada em um cobertor de bebê. Outros escolhem o pé de alguma árvore especial. Mais alguns incineram-a, em rituais de fogo que libertam o "espírito" do bebê. Há ainda quem guarde essas cinzas, e utilize de forma tópica quando o bebê adoece. Existe também, uma das minhas favoritas, a impressão da placenta. Quando você enxergar uma grávida seguida de sua equipe médica carregando um bloco de canson para a sala de parto, pode saber: ela vai fazer impressões da placenta, que podem ser tanto no sangue do ventre quanto coloridas com tintas específicas.

Mas fica o alerta, para todas as práticas de reverência e respeito à placenta, desde as mais singelas até à placentofagia nua e crua, existem recomendações e técnicas específicas, como por exemplo a profundidade do buraco em que ela é enterrada, para evitar mau cheiro. Ou a preparação do papel para estampa. Ou o tempo de permanência no freezer. E no caso dos partos hospitalares, ainda infelizmente, a limitação de cada instituição. A maioria não permite que se leve uma parte de nós mesmas, e de nossos filhos, para casa.


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